RTP faz documentário sobre 150 anos do Caminho de Ferro
Olhar sobre a história de Portugal através da ferrovia, o programa é igualmente um testemunho de vida
de antigos ferroviários
Foi em 1856 que D. Pedro V inaugurou a primeira linha de caminho-de-ferro, num percurso de 40 quilómetros entre Lisboa e o Carregado. A celebração não correu bem - a locomotiva avariou-se, o comboio atrasou-se e teve que deixar para trás algumas carruagens. Registos da época dizem que houve gente durante a noite, com archotes, à procura dos "náufragos do progresso".Mas, apesar do mau começo e de ter chegado a Portugal com 20 anos de atraso em relação ao resto da Europa, iniciava-se uma autêntica revolução, que Eça de Queirós viria a resumir assim: "Pelos caminhos de ferro que tinham aberto a Península rompiam cada dia (...) torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, sentimentos, interesses humanitários."
É a história desta revolução que a RTP está agora a preparar em documentário a ser exibido em Outubro. Da autoria de Paulo Costa, jornalista que se destacou com o programa Bombordo (magazine do mar da RTP), o filme é também a história de Portugal nos últimos 150 anos vistos através da ferrovia.
Com filmagens feitas em todo o pais, é igualmente um testemunho da vida de antigos ferroviários, num tempo em que havia centenas de profissões dentro da velha CP. Paulo Costa entrevistou um antigo guarda-freio, que viajava em guaritas para apertar e aliviar os freios das rodas para evitar que as carruagens se engalfinhassem umas sobre as outras. E recolheu histórias de fogueiros que alimentavam à pazada as fornalhas das locomotivas com toneladas de carvão.
No caminho-de-ferro de antigamente havia também os impressores de bilhetes ou os relojoeiros (que faziam a manutenção aos relógios das estações), os fabricantes de cordas e oleados que protegiam a carga dos vagões, os jardineiros, operadores de comboios-correio, carpinteiros. Um ex-preso do Tarrafal recorda uma época em que os ferroviários eram uma guarda revolucionária durante o Estado Novo.
"Trata-se de um testemunho do serviço que é prestado pelos ferroviários, que fazem um trabalho pouco conhecido e por vezes ingrato e doloroso. As pessoas não sabem o que é preciso para um comboio andar", diz Paulo Costa, para quem "o comboio tem essa coisa absolutamente fascinante que é o de ser um esforço colectivo, resultante do trabalho desses milhares de pessoas que vivem a ferrovia de forma diferente".
O documentário acompanha a tripulação de um comboio do carvão que parte à meia-noite de Sines e chega de manhã à central do Pego. E mostra uma velha automotora Nohab no Alentejo com três passageiros, um maquinista e um revisor. "Um serviço que é uma coisa que já não existe, que não faz sentido, mas que aquela gente assegura com sentido de missão, que sabe que é preciso manter, na expectativa de que a linha seja modernizada e aquele comboio seja substituído por um Intercidades decente", diz Paulo Costa.
O jornalista produziu em 1982 para o programa Grande Reportagem um documentário de uma hora sobre o caminho-de-ferro em Portugal. Na altura discutia-se o encerramento de linhas, o que veio a acontecer. Por isso, a RTP voltou agora a algumas dessas vias férreas ignoradas para recolher o sentir das populações e sobretudo dos ferroviários que ali trabalharam e coexistem com os carris enferrujados e as estações vandalizadas.
Caminhos-de-Ferro, como singelamente se chama o documentário, tem imagem de Rui Capitão, sonorização de Luís Mateus, edição de Paulo Marcelino e produção de João Barrigana. O apoio científico e técnico foi dado a título gracioso por Gilberto Gomes, da CP, e José Andrade Gil, da Refer.
(In: Público 11-01-2006)
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